Sempre ouvi dizer que a felicidade é um exercício diário.
Mas isso não fazia muito sentido pra mim, já que o contrário
da felicidade era a tristeza profunda que sempre senti sem fazer esforço algum.
Chega a soar ofensivo dizer que alguém gosta de ser triste. Especialmente
quando a depressão está em jogo. Muitos anos se passaram para que eu pudesse
formar uma opinião sobre isso. Muitas coisas aconteceram para que eu
conseguisse finalmente montar o quebra cabeças e ver uma imagem nítida. Até
pouco tempo atrás tudo era um imenso borrão e sozinha eu me perdia tentando me
encontrar.
Ainda não me achei.
Mas me dei a chance de acender uma pequena luz. E com um
pouco de fé e muita coragem eu me levantei. Decidi que não queria mais me
sentir tão mal. Eu queria saber como era sorrir sem ter motivo, queria saber como
era sentir o oposto de tudo que eu sentia intensamente. Dor !
Pensamentos suícidas passeavam em minha mente por horas
seguidas. Meu corpo andava por aí em modo automático, minha alma estava sempre
vagando pelo vale de sombras que eram os meus sentimentos mais sombrios. Não me
pergunte como fiz para chegar tão fundo, os anos me levaram a cometer tantos
erros seguidos, hoje sei que a maior parte deles foi por puro desespero.
Tentando achar amor, tentando encontrar algo que fosse intenso e mágico. Eu me
recusei a crescer, me recusei a enxergar beleza no mundo do jeito que os outros
diziam que era certo. Falar sobre isso ainda dói. A cura não é sinônimo de
esquecimento. Quem me dera poder tomar um comprimido que apagasse da minha
mente todas as coisas ruins que eu já ousei pensar. Quem me dera eu pudesse
fazer um curativo que curasse todas as cicatrizes que eu mesma causei. Facas,
tesouras, lâminas, álcool, fumaça, solidão, ódio, arrependimento, tristeza,
sangue, escuridão, cortes, compulsão alimentar, dias sem comer, auto mutilação.
Suicídio.
O último
estágio da dor humana.
Eu já tinha me matado há muito tempo. Só restava me livrar
do corpo para que minha morte fosse
completa. Mas poucos viam que meu olhar já não brilhava há tempos. Poucos
percebiam que a voz que saia da minha boca já não era a minha. Poucos entendiam
o motivo de eu não querer fazer mais nada além de dormir. Meus sonhos eram o
único lugar onde eu ainda podia sorrir.
Eu procurei ajuda tantas vezes e por tantas vezes só
encontrei desprezo. Quando você está bem é difícil compreender uma depressão
profunda. É um poço fundo, muito fundo e a cada recaída que eu tenho eu
experimento novamente todos aqueles sentimentos que um dia fizeram minha mente
acreditar que viver não valia a pena. É doentio. A culpa não era minha. Eu me perdoei
por todas as loucuras que cometi. Aquela não era eu. Em nenhum ano da minha
vida eu vivi sem ter medo de alguma coisa ruim acontecer. Desde que eu nasci.
Quando algo dá certo eu fico desconfiada e com medo. Não estou acostumada com
isso. Depois que eu perdi tudo que eu tinha e me vi enfim sozinha achei que a
próxima página dessa história seria a morte.
Talvez a felicidade seja realmente um exercicio diário
porque a tristeza para mim tinha virado um hábito. Hoje sei que a minha
depressão não começou há apenas um ano atrás. Me lembro que sempre fui uma
criança solitária, sentimental, chorona e que se sentia abandonada e rejeitada.
A vontade de morrer era apenas o resultado de um longo caminho de tragédias,
doenças e perdas que enfrentei sozinha quando eu não tinha capacidade de
entender direito o que estava acontecendo. Eu não tenho mais medo de sentir
dor. Nada pode doer mais do que eu já senti. Eu não tenho mais nada a perder.
Não tenho mais como me machucar. Meu novo desafio agora é ser feliz !
Eu fiquei curiosa em entender como era esse mundo com cores
que todos enxergavam menos eu. O que eu estava perdendo ? 11 meses de
tratamento e cá estou enxergando cores nítidas e belas ! Na minha escalada
eu encontrei amigos. Um dia um amigo me convenceu a voltar a comer, eu senti
tanto amor vindo daquela simples refeição que simplesmente não pude recusar. Um
dia uma amiga foi lá fora me buscar, meus braços estavam ensanguentados, meu
cabelo tinha cheiro de cerveja e cigarro, mas ela me deu a mão, me colocou na
cama e eu percebi o quanto me machucar poderia machucar as pessoas. Eu senti
tanto amor naquela mão que me tirou do chão que simplesmente não pude recusar. Um
dia alguém me amou pelo o que eu realmente era e pela primeira vez na vida eu
me enxerguei como uma garota bela. Eu demorei anos para enxergar qualquer traço
de beleza em mim. Eu me achava horrível. Por dentro e por fora. Mas aquela
admiração era tão sincera que eu não pude recusar. Eu comecei a amar os outros
já que eu não podia amar a mim mesma e amando os outros eu descobri que eu
também merecia amor. Nesse jogo de erros e acertos acabei amando mais do que
devia e isso novamente foi uma forma que encontrei de me machucar. Hoje percebo
finalmente exatamente o que eu preciso fazer. Eu preciso me amar. Mas como
aprender a se amar quando a vida inteira eu só aprendi a me destruir ? É
um desafio.
Quando me disseram que a felicidade era um exercício diário
eu fui atrás para entender. Eu comecei a buscar todas as coisas boas que me
faziam sorrir e fazer elas por mim mesma. Queria muito dar continuidade neste
texto mas ele acaba aqui mesmo. Estou
no meio do caminho ainda. Aprendendo a não me maltratar. Me machucar é
um hábito difícil de largar e eu sempre tive muitos vícios. Espero que as
próximas linhas desta história contem os dias melhores que eu sei que estão por
vir.
Eu vou conseguir.
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